Dados e equações por trás da dívida pública.
A dívida pública representa uma das variáveis agregadas mais relevantes na economia, pois reflete o resultado dos empréstimos que o governo contrai para financiar seus investimentos. Para entender os aspectos macroeconomicos de um país é relevante avaliar a evolução da dívida pública, bem como os fatores que a influenciam.
Geralmente a dívida pública é expressa como uma proporção do PIB (Equação 1), assim é possível avaliar a capacidade de pagamento do governo, uma vez que o PIB representa a capacidade de geração de renda de um país. Realizando uma análise dimensional é possível interpretar a métrica da seguinte maneira: O PIB é uma variável que representa fluxo financeiro em um determinado período (R$ / Ano), enquanto a dívida pública é uma variável que representa um passivo (R$), então, uma possível interpretação para a dívida pública como proporção do PIB é que esta representa o número de anos que o governo levaria para pagar sua dívida, caso todo o PIB fosse destinado para tal fim.
Exemplificando, se a dívida pública é 80% do PIB, isso significa que o governo levaria 0,8 anos para pagar sua dívida, caso todo o PIB fosse destinado para tal fim.
\[ DividaPIB_t = \frac{Divida_t}{PIB_t} \tag{1}\]
Representação Matemática da Dívida Pública
Um conceito relevante para a dívida pública é o resultado primário (Equação 2), que representada a diferença entre os gastos do governo \(G_t\) e a receita do governo \(R_t\).
\[ D_t = G_t - R_t \tag{2}\]
- Quando \(G_t - R_t > 0\), temos um déficit primário, indicando que o governo está gastando mais do que arrecada.
- Por outro lado, se \(G_t - R_t < 0\), temos um superávit primário, o que significa que o governo está arrecadando mais do que gastando.
Quando o governo gasta mais do que arrecada, ele precisa financiar este déficit por meio de empréstimos, que são representados pela emissão de títulos públicos. E esse financiamento contém juros, que são representados pela taxa de juros \(i_t\). Portanto ao longo do tempo, a dívida pública é representada pelo resultado primário mais os juros da dívida anterior, conforme a Equação 3.
\[ Divida_t = (1 + i_{t-1}) Divida_{t-1} + (G_t - R_t) \tag{3}\]
Dívida Pública como Proporção do PIB
A dívida pública como proporção do PIB é representada pela Equação 4, que é a razão entre a dívida pública e o PIB.
\[ DividaPIB_t = \frac{Divida_t}{PIB_t} = (1 + i_{t-1}) \frac{PIB_{t-1}}{PIB_t} \frac{Divida_{t-1}}{PIB_{t-1}} + \frac{G_t - R_t}{PIB_t} \tag{4}\]
Assumindo que o PIB cresce a uma taxa constante \(g\), podemos representar 1 a dívida sobre o PIB em função dos juros dos títulos públicos, da taxa de crescimento do PIB e do resultado primário, conforme a Equação 5.
\[ \frac{PIB_{t-1}}{PIB_t} = 1 + g \implies DividaPIB_t = \frac{1 + i_t}{1 + g} DividaPIB_{t-1} + \frac{G_t - R_t}{PIB_t} \tag{5}\]
Visando analisar a evolução da dívida em termos dos juros (\(i_t\)), da taxa de crescimento do PIB (\(g\)) vamos considerar que o resultado primário é nulo (\(G_t - R_t = 0\)), ou seja, o governo não gasta mais do que arrecada. Neste caso, temos a Equação 6, que representa a evolução da dívida pública como proporção do PIB.
\[ DividaPIB_t = \frac{1 + i_t}{1 + g} DividaPIB_{t-1} \tag{6}\]
Avaliando os juros e a taxa de crescimento do PIB, temos 3 cenários possíveis:
- Ineficiência Dinâmica: \(i < g\), em que a dívida pública diminui ao longo do tempo, uma vez que os juros são menores que a taxa de crescimento do PIB. Nesse caso, o governo consegue pagar sua dívida com o tempo.
- Sustentabilidade: \(i = g\), onde a dívida pública permanece constante ao longo do tempo, já que os juros igualam a taxa de crescimento do PIB. Assim, a dívida cresce na mesma proporção do PIB, mantendo sua relação constante.
- EFiciência Dinâmica: \(i > g\), em que a dívida pública cresce indefinidamente, uma vez que os juros superam a taxa de crescimento do PIB, tornando a trajetória da dívida insustentável.
O conceito de ineficiência dinâmica parece um pouco contraditório, pois no limite a dívida sobre o PIB tende a zero, o que significa que o governo não terá mais dívida. Mas sem dívida, significa que o governo não está mais realizando investimentos em projetos de longo prazo, que são benéficos para as gerações futuras. Portanto, o governo não deve focar em acumlar capital no presente, mas sim em realizar investimentos que gerem um aumento de produtividade no futuro.
Qual é o nível ideal de dívida pública?
Para entender qual é o nível ideal da dívida é necessário entender as depesas do governo, que podem ser divididas em 2 categorias:
- Despesas Correntes: são as despesas que o governo tem com a manutenção da máquina pública, como pagamento de salários, manutenções de infraestrutura, etc.
- Despesas de Capital: são as despesas que o governo tem com investimentos, como obras de infraestrutura, construção de escolas, etc.
Para o bem das futuras gerações, de acordo com a regra de ouro 2, o governo não deve financiar suas despesas correntes com dívida, pois isso significa que as gerações futuras terão que pagar por despesas que não foram feitas em seu benefício. Portanto, o governo deve financiar suas despesas correntes com receitas correntes, como impostos e contribuições sociais.
Do ponto de vista de juros e crescimento, o cenário ideal é que os investimentos feitos hoje gerem um aumento de produtividade no futuro, de forma que o crescimento do PIB seja maior que os juros da dívida. Neste caso, o governo pode financiar seus investimentos com dívida, pois as gerações futuras terão um ganho de produtividade para pagar a dívida, ou seja, no longo prazo a dívida é sustentável.
Qual é razão de países com dívidas públicas elevadas?
O Japão é um exemplo de país com uma dívida pública elevada, em 2022 o país atingiu uma dívida de 261% do seu PIB (Figura 1). A população japonesa, conhecida por seu conservadorismo em relação aos gastos e investimentos, frequentemente leva o Estado a investir na economia para estimular o crescimento (PIB). Além disso, a demografia do país também contribui para a alta dívida, com uma população que possui uma longevidade elevada, as despesas correntes com aposentadorias e saúde são significativas 3
A trajetória de aumento da dívida no Japão teve início na década de 1990, após a crise financeira e imobiliária o país entrou em ciclo de baixo crescimento econômico, e para amenizar os impactos da crise e manter o orçamento equilibrado, o país emitiu dívida via títulos públicos com baixas taxa de juros, porém com baixo risco dado a confiança do mercado na economia japonesa 4
Apesar da dívida emitida ter baixos juros, o crescimento econômico foi menor que a taxa de juros (Figura 2), resultando numa situação de eficiência dinâmica, em que a dívida pública cresce ao longo do tempo.
Portanto, para entrar em uma trajetória de sustentabilidade, ou até mesmo de ineficiência dinâmica, o Japão precisa aumentar seu crescimento econômico, e para isso é necessário aumentar a produtividade e investimentos em projetos de longo prazo.
Dívida Pública no Brasil
Nesta seção vamos analisar a evolução da dívida pública no Brasil, analisando a antiga dívida com o FMI, e mais recentemente a questão do arcabouço fiscal.
Dívida Interna e Externa
Desde o período colonial, o Brasil sempre teve questões relacionadas a dívidas externas, e no período mais recente destaca-se a dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Durante o período militar (1964-1985), houve bastante investimento em projetos de infraestrutura porém com crises relevantes como a crise mundial do petróleo as fontes de capital se exauriram, e o Brasil passou a ter dificuldade para pagar suas divídas externas, e nesse cenário o país recorreu ao FMI para financiar suas dívidas 5, então enquanto o país possuia uma dívida externa com o FMI, havia uma correlação positiva entre a dívida pública do Brasil e o dólar, portanto quando o dólar subia, a dívida pública do Brasil também subia, e vice-versa.
Após saldar a dívida com o FMI em 2005, o Brasil passou a ter uma posição credora em dólar, conforme ilustrado em Figura 3. Portanto, a dívida pública do Brasil passou a ter uma correlação negativa com o dólar em momentos de crise, como na crise política de 2015 e a crise da Covid-19 em 2020, onde o dólar subiu e a dívida pública do Brasil caiu. Portanto, ao eliminar a dívida externa a dívida pública do Brasil ficou mais resiliente a fatores externos.
Teto de Gastos e Arcabouço Fiscal
Com o objetivo de manter a trajetória da dívida pública sob controle, ao longo do tempo o Brasil adotou medidas para limitar o crescimento dos gastos públicos, destacando-se o teto de gastos e o arcabouço fiscal.
O Teto de Gastos foi aprovado em 2016 durante o governo Temer, e limitava o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, então o governo não podia gastar mais do que o ano anterior, corrigido pela inflação.
Já o arcabouço fiscal aprovado em 2023 pelo governo Lula, estabelece uma regra baseada em metas e bandas ao redor do resultado primário (Equação 2), onde as despesas do governo só podem crescer até 70% das receitas do ano anterior, e caso o resultado primário esteja abaixo da meta inferior, o governo deve limitar os gastos em 50% das receitas do ano anterior, e no cenário de resultado primário melhor que a meta superior, o governo pode utilizar o excedente para investir. Na Figura 4, podemos observar as metas propostas pelo governo.
Portanto, o arcabouço fiscal é mais flexível que o teto de gastos, e tem um vinculo com metas de resultado primário, o que alinhar as expectativa dos agentes econômicos e incentiva uma melhor gestão dos gastos públicos para aumentar os investimentos em áreas de interesse do governo.
Conclusão
Nesse artigo, analisamos a dívida pública sob uma perspectiva matemática, cobrindo conceitos como a relação entre dívida e PIB, a regra de ouro do governo. E na sequência, analisamos um país com uma dívida pública elevada, o Japão, e por fim, analisamos a dívida pública do Brasil, destacando a questão da dívida com o FMI, e mais recentemente o arcabouço fiscal.
Notas de rodapé
Simplificação sem considerar fatores como inflação, para didática sobre a dívida pública.↩︎
Tesouro Nacional: Conhecendo a Regra de Ouro↩︎
Matéria do The Economist: Populações idosas significam mais gastos do governo↩︎